Interdisciplinaridade Responsável

Interdisciplinaridade Responsável

Neste mês de maio de 2014, a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon) realizou no Rio Grande do Sul mais uma reunião técnica com entidades que compõe o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SINDEC), evento que contou com maciça participação de todos os estados e de diversos municípios da Federação, por meio de seus órgãos de proteção do consumidor, bem como de demais atores deste cenário político-social, tais como o Ministério Público e o Poder Judiciário. Concomitantemente, aconteceu o Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor.

Traços marcantes de ambos os eventos foram a profundidade dos temas selecionados e apresentados, deixando-se de lado questões já conhecidas da corriqueira lida dos operadores do direito e dos servidores que trabalham com a fiscalização e busca de garantia dos direitos do consumidor, com o fito de se analisar as questões numa visão macro, sempre na busca da função social preconizada nas normas vigentes.

Assim, como bem mencionou a secretária nacional, Drª. Juliana Pereira da Silva, na ocasião privilegiou-se a pesquisa e esclarecimentos que dizem respeito, por exemplo, da defesa de consumidores vulneráveis e do superendividamento, em relação à geladeira que foi entregue com defeito pelo fornecedor (que também é e será um tema de grande importância, sempre). Porém, o que mais nos causou contentamento foi a amplitude dos assuntos tratados, sobretudo quanto à relação que estes tem com outras áreas do conhecimento e das políticas públicas. Isso restou mais evidente quando se destacou a recente expedição da Resolução nº 163, de 13 de março de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda, órgão que, à luz da Constituição da República, tem a atribuição de zelar pela escorreita aplicação das normas de defesa dos interesses da criança e do adolescente.

Tal resolução considera abusiva a publicidade e comunicação mercadológica à criança, definindo as características desta prática com uso de linguagem infantil, de celebridade com apelo infantil, de músicas infantis ou efeitos especiais com a intenção de persuadir as crianças ao consumo de qualquer produto ou serviço. Logo, a publicidade que não estiver de acordo com a aludida norma estará eivada de ilegalidade, com fulcro nos artigos 2º e 37 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Infelizmente, vivemos um verdadeiro caos no que tange às mensagens diretas ou subliminares absurdamente direcionadas às crianças e demais consumidores vulneráveis, considerando-se, ainda, que os menores de idade constituem a maior parcela de indutores ao consumo dentro do lar.

Não por acaso, constatamos músicas publicitárias apelativas (assim como essas sexualizadas que tocam em quase todas as rádios), bem como imagens de atletas ou apresentadores de televisão (verdadeiros vendedores de imagem) trajando roupas vulgares ou adotando comportamentos esdrúxulos como se normais fossem, fazendo com que as crianças cantem, vistam-se e se comportem de modo totalmente inadequado à sua realidade etária e psicológica. E o pior de tudo é que as propagandas mais bem elaboradas, premiadas, inclusive, são aquelas que induzem crianças ao consumo da substância psicotrópica que mais mata e que leva ao uso de outras mais pesadas, o álcool.

Já diminuiu em 30% o número de consumidores de tabaco. Por que isso ocorreu? Porque não existe mais a publicidade explícita de cigarro de tabaco nas grandes mídias. Tramita no Senado Federal um projeto de lei que, dentre outras disposições, busca proibir a propaganda de álcool, fato que, se aprovado e sancionado, diminuirá em larga escala o número de mortes no trânsito, de violência doméstica, de dependência química e de gastos públicos e privados com tratamentos.

Com isso, vemos o quanto os assuntos ligados à criança, ao direito do consumidor e às políticas sobre drogas estão interligados, carecendo de participação popular responsável em todas as fases da criação e da implantação das ações estatais, mas também familiares. Uma das formas é escrevendo para as empresas de publicidade que ousarem não observar os ditames da Resolução 163/Conanda, seja diretamente ou nas redes sociais, bem como reclamando em Juízo, eis que doravante há mais uma norma específica em defesa do consumidor e dos princípios estabelecidos no ECA.


* NESTOR FIDELIS é advogado e secretário adjunto de Justiça.

Autor(es): Nestor Fidelis
Fonte: https://www.hnt.com.br/artigos/interdisciplinaridade-responsavel/35371