Neste exato momento, estou sobrevoando algum lugar da região Sul de Mato Grosso. Escrevo no "celular". O avião alçou vôo há 15 minutos, saindo de Cuiabá em direção a cidade de São Paulo. Estou exprimindo. Tenho viajado muito, por diversos motivos. Hoje o objetivo é acompanhar meu pai em mais uma fase de seu tratamento neurooncológico. Meu irmão está no vôo também, mas o assento em que ele está acomodado fica mais atrás. Meu pai e eu viajamos na primeira fileira de... de... "poltronas". Estou apertado. Conseguimos fazer com que meu pai viajasse próximo ao toilette, dadas as suas necessidades advindas do tratamento. E, como se sabe, nesses voos Cuiabá/São Paulo as aeronaves da Gol são ordenadas com duas fileiras de três assentos grudados entre si. Estou mal acomodado. Para supostamente beneficiar idosos ou pessoas com necessidades especiais, as companhias aéreas colocam nos primeiros lugares tais passageiros, bem como aquel'outros que pagaram mais caro ou que obtiveram certa pontuação no programa de milhagens. Realmente, há mais espaços para as pernas, mas o que fazer com o resto do corpo neste assento com cerca de 30 centímetros de largura. O que fazer com meus braços e ombros? Estou desrespeitado. Não é possível que os três passageiros logrem encostar seus ombros no encosto da poltrona ao mesmo tempo. Não há espaço! Todos percebemos e comentamos a circunstância lamentável. O companheiro ao lado diz que isso ocorre no Brasil por falta de concorrência no mercado, fazendo com que as empresas não se ocupem em ofertar aos seus clientes, consumidores, um tratamento minimamente digno. Para ele, nada justifica tal desumanidade. Eu estou entre ele e meu pai, na pseudopoltrona do meio. Estou com dores. Começou uma turbulência. Meu pai despertou de um cochilo. Estamos nos empurrando com os ombros. A situação é desagradável. Sou obrigado a retirar minhas costas já totalmente entortadas do assento e me curvar para frente. Estou quase agachado. Pensamentos que me surgem à mente:
O comissário de bordo, que também é um ser humano, percebe minha angústia e me oferece outro local para me sentar. Agradeço e começo a me levantar para me dirigir ao lugar apontado, quando meu pai pede para ir ao banheiro e eu lhe assessoro na tarefa de se levantar e caminhar, ou seja, preciso ficar ao lado dele, o que para mim é, sinceramente, um leve trabalho e uma valiosa oportunidade de devolver um pouco de amor para quem muito me deu. Mas não quero que ele perceba meu desconforto. Estou aborrecido. Começam a oferecer os produtos do cardápio. Os alimentos não são mais distribuídos gratuitamente, inobstante estarmos na hora do almoço. Meu pai tem fome, mas não quer pedir nada. Tomo a iniciativa de pedir ao para ele, mas ele recusa. Preciso verificar se tenho dinheiro nos bolsos da calça jeans. Mas como? É impossível. Acabo de ler o slogan da companhia. Diz que quem voa por ela só vai querer voar por ela. Estou torcendo para chegar logo ao meu destino. Mostro para meu pai o que estou escrevendo. Ele acha graça e demonstra concordância. Agradeço a Deus por conviver com meu pai. Como é bom... ele está fragilizado, mas não deixa de ser a potência que é. Está tudo ali dentro: experiências, aprendizado, bons exemplos, certeza de que tem muito por melhorar e de que a vida continua sempre. Por isso mesmo, não posso deixar de, pela primeira vez escrevendo em primeira pessoa, expressar meu descontentamento e tristeza por, em pleno ano de 2016, ser tratado como se não fosse humano por uma empresa de aviação civil num vôo de duas horas de tortura. Rogo aos órgãos de controle, às instituições de defesa do consumidor, às agências reguladoras e, sobretudo, às grandes companhias aéreas pátrias, que não permitam mais o tratamento tão inadequado e com tanta falta de respeito como este a que estou sendo submetido. Estou esperançoso! |
Autor(es): Nestor Fidelis |
Fonte: https://www.rdnews.com.br/colunistas/nestor-fidelis/voo-enlatado/71198 |