Da necessidade de autocomposição de conflitos no tribunal de contas
Não restam mais dúvidas de que o conflito, de modo geral, não mais é visto com algo negativo, mas sim como uma possibilidade de correção de rotas, de realização de necessárias mudanças que geram conquistas-êxito e aprendizagem para a gestão.
Os pioneiros da abordagem científica da negociação, Roger Fischer, Willian Ury e Bruce Patton, estabeleceram desde 2005 que a negociação é uma indústria em crescimento, na medida em que todas as pessoas querem participar nas decisões que lhes dizem respeito, quer seja nos negócios, no governo ou na família.
Nesse contexto, a autocomposição, por meio da conciliação e/ou da mediação, se apresenta como um processo menos formal e voluntário, com a participação direta das partes interessadas com o fito de resolverem o conflito.
O legislador pátrio, sensível aos avanços dos métodos de autocomposição dos conflitos, com vistas ao êxito em países que já haviam adotado tal prática processual e considerando que os métodos ordinários da atividade jurisdicional não estavam logrando sucesso no tocante à necessidade de deslindar os conflitos, trouxe para a realidade brasileira, com o advento do novo Código de Processo Civil, a obrigatoriedade a realização de audiência de conciliação ou mediação como primeiro ato do processo judicial (art. 334), bem como que essa audiência seja realizada preferencialmente por conciliador ou mediador, onde houver (artigo 334, §1º).
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O aludido diploma processual também prevê que “os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”.
Essa busca pela autocomposição é tida como a grande mudança trazida pelo novo CPC, devendo ser estimulada por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, § 3º).
No entanto, a mediação também é um modo alternativo de resolução de conflitos que tem sido muito difundido, haja vista sua grande capacidade de êxito de forma menos formal para as partes e com baixo custo. Assim, por meio de um terceiro, mediador imparcial, ocorre o diálogo entre as partes envolvidas com a finalidade de se lograr a composição satisfatória, gerando aprimoramento daquilo que foi ou era feito de modo diverso e, por conseguinte, beneficiando o interesse privado e coletivo.
Logo, perante o Tribunal de Contas e sua missão constitucional, órgão pelo qual se inicia a tramitação de centenas de processos a cada ano, faz-se mister a criação de método oficial de autocomposição de conflitos, considerando, inclusive, que de certa forma isso já vem ocorrendo, conquanto de modo acanhado diante das possibilidades maiores, sobretudo quando os Conselheiros responsáveis por cada feito chamam as partes para o diálogo em seu próprio gabinete, seja de ofício ou provocados para tanto.
Todavia, em sintonia com o código adjetivo brasileiro, torna-se imprescindível que essa prática seja disciplinada, com vistas à segurança jurídica e à busca da celeridade processual.
Não por outro motivo o novo CPC trouxe a possibilidade da autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, possuindo capítulo específico sobre o tema, prevendo, inclusive, a resolução administrativa de conflitos
Resta evidente, portanto, que os Tribunais de Contas devem laborar como mediadores para harmonizar as políticas públicas isoladamente conduzidas por órgãos e entidades singulares. O interesse do Tribunal é o bom uso dos recursos públicos em benefício da sociedade (ALMEIDA, Carlos Wellington Leite de. Controle externo e técnicas de mediação: a busca de soluções com foco no interesse público. in TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Revista do Tribunal de Contas da União. Ano 34. Número 98. Outubro/Dezembro 2003. Brasília: TCU, 2003).
Por outro lado, conquanto a autocomposição não deva ser utilizada em casos em que haja o comprovado dano ao Erário, nada obsta que o responsável pelo dano faça a necessária reparação, levando-se em conta o direito indisponível em questão, mas que se componha no tocante às demais questões adjacentes, bem como que se assuma, em termo de ajustamento de gestão, compromissos mitigatórios e reparatórios, sempre com vistas ao interesse público.
Recentemente, elaboramos um parecer em parceria com o brilhante advogado Maurício Magalhães Neto, a pedido da presidência da OAB/MT, no qual nos coube, dentre outros pontos, tratar dessa temática com o fito de que a Ordem pudesse sugerir ao TCE/MT (na pessoa do Conselheiro Guilherme Maluf, responsável pela revisão do Regimento Interno daquela Corte) a formação de uma comissão, com a participação de advogado por ela indicado, além de outros atores atuantes no cenário em enfoque, com o objetivo de se estabelecerem critérios objetivos, em harmonia com as políticas públicas dos jurisdicionados e do próprio Tribunal, para que, quiçá, a Escola de Contas possa preparar pessoas para tal mister, bem como para que seja criada, futuramente, uma “Central de Conciliação e Mediação do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso”.
Considerando o relevante papel desempenhado pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, sobretudo na aplicação de medidas cautelares a bem do interesse público, mas também levando-se em conta a sua atuação perante as mais diversas situações, seja as detectadas em auditorias de conformidade, ou naqueles casos que chegam ao seu conhecimento por meio de reclamação anônima e em tantos outros, torna-se de extrema importância, em sintonia com o novo Código de Processo Civil, o estabelecimento, por ato normativo, de métodos alternativos de resolução de conflitos, mormente pela conciliação e mediação, para o que a OAB/MT deve participar ativamente.
Nestor Fernandes Fidelis